sábado, 6 de novembro de 2010

Dilma deve tirar Meirelles do BC para reduzir juros logo no início do governo

Ao contrário de Lula, que deu carta branca às medidas de contenção de inflação do Banco Central, presidente eleita quer ser avalista de política mais voltada ao crescimento econômico e estímulo ao setor privado, incluindo micro e pequenas empresas

06 de novembro de 2010 | 17h 57


João Domingos, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Embora avalie que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, foi importante para sustentar a política de combate à inflação do governo Lula e certeiro nas medidas de contenção dos efeitos da crise econômica mundial de 2008 e 2009 no Brasil, a presidente eleita, Dilma Rousseff, tende a não aproveitá-lo no posto.

É certo que Dilma vai centralizar em torno de si todas as ações econômicas do início do governo, disse ao Estado um de seus mais importantes colaboradores.

Pretende, com isso, alcançar dois objetivos: forçar a redução nas taxas de juros logo na primeira reunião do Conselho de Política Monetária (Copom) e mostrar que, ao contrário do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ela terá o controle de todos os setores do governo, a começar pela economia.

Tanto é assim que o primeiro bloco de auxiliares a ser anunciado será o da equipe econômica.

Com a centralização e a pressão explícita para que os juros baixem - o que Lula nunca exerceu em relação ao Banco Central -, Meirelles ficará numa posição desconfortável, pois sua política de combate à inflação tem sido sempre a de, por absoluta prevenção, manter os juros altos.

A própria Dilma se garante como avalista da estabilidade econômica. Em entrevista ao SBT, na terça-feira à noite, ela avisou que fará a centralização.

"Não serão pessoas que serão responsáveis por isso", afirmou, referindo-se ao tripé formado por metas de inflação, câmbio flutuante e contas equilibradas.

"Sou eu a responsável. E como responsável, eu asseguro: seja quem esteja à frente do cargo, eu assegurarei no País a questão da estabilidade econômica."

Embaixada

Uma solução para Meirelles - e ele já se mostrou simpático à ideia - seria nomeá-lo embaixador do Brasil em Washington.

É um nome com muito trânsito nos meios financeiros e governamentais, atributos essenciais para a interlocução de um governo Dilma que ainda não tomou posse mas já faz coro e, ao lado de Lula, acusa os Estados Unidos de, junto com a China, promoverem uma "guerra cambial" no mundo.

O PMDB, ao qual Meirelles é filiado, ainda tem esperanças de emplacá-lo no Ministério da Fazenda ou no dos Transportes.

Mas Dilma tem sido aconselhada a manter Guido Mantega, decisão que contaria com a simpatia de Lula.

E o Ministério dos Transportes é um feudo do PR, embora o PMDB esteja, numa espécie de escambo político, tentando trocá-lo pela Agricultura.

Conforme um integrante do governo muito próximo de Dilma, ela quer lotar o setor econômico na Esplanada dos Ministérios com "defensores de ações desenvolvimentistas" - como ela.

A presidente eleita acredita que, assim como ocorreu na gestão Lula, principalmente depois da crise econômica mundial, o governo tem entre os seus papéis fundamentais fazer a indução para o desenvolvimento e o crescimento econômico.

Na visão de Dilma, exposta ao longo de conversas mantidas na campanha, será preciso reduzir os juros para "contaminar o setor privado" e incentivá-lo a investir cada vez mais.

O plano estratégico prevê alcançar a meta de taxa real de 2% de juros (descontada a inflação) em 2014.

Ela defende ainda a desoneração da folha de pagamentos e investimentos muito fortes nas micro e pequenas empresas.

Para tanto, Dilma pretende elevar o limite de enquadramento de empresas no Simples Nacional. "Esse foi um dos melhores modelos: aumentamos a arrecadação, o grau de formalização da economia", disse ela na entrevista ao SBT. "Pretendo aumentar o limite de enquadramento."

Dessa forma, explicou, mais empresas poderão se beneficiar do sistema tributário simplificado. Ela, porém, não revelou qual seria o novo limite.

Atualmente, são consideradas microempresas passíveis de inscrição no Simples aquelas que têm faturamento bruto de até R$ 240 mil ao ano.

O programa também admite empresas de médio porte com faturamento de até R$ 2,4 milhões.

Hoje, há cerca de 3,9 milhões de pessoas jurídicas inscritas no programa. Também está em análise a elevação do limite de enquadramento dos microempreendedores individuais (MEI), hoje em R$ 36 mil ao ano.

Pasta

Dilma revelou durante a campanha ter "vontade" de criar um ministério específico para as micro, pequenas e médias empresas.

O nome mais cotado para essa nova pasta é o de Alessandro Teixeira, atual presidente da Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), um dos coordenadores da sua campanha presidencial.

Ela acredita que será possível fundir ministérios, fazendo com que a estrutura de governo fique do tamanho da atual, com 35 ministros.

O ideal seria reduzir, mas Dilma não vê como atender à base partidária governista - que tem uma dezena de legendas - promovendo uma lipoaspiração na Esplanada.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Afinal, o que Dilma pensa para o governo


José Casado – Agência o Globo
Dilma Rousseff chega ao poder como um enigma. Deve a meteórica carreira política ao presidente Lula, por quem demonstra uma admiração próxima do fervor religioso: — Ele é o grande mestre que nos ensinou o caminho – é assim que se refere ao seu patrono na política desde que assumiu o papel de candidata do Partido dos Trabalhadores. Suceder a Lula não é tarefa fácil. O êxito na batalha para eleger Dilma é eloquente sobre seu carisma e poder de influência na política. Ele a escolheu solitário, quando ela era a opção mais improvável até mesmo pelo absoluto anonimato. Há dois anos, Dilma aparecia com apenas 2% nas pesquisas do Instituto Datafolha. Na campanha, a sombra do criador contribuiu para tornar ainda mais opaca a nuvem de ideias da criatura. Dilma superou os adversários também na produção de programas de governo. Mas com resultado nulo: entre a manhã e a tarde de uma sexta-feira de agosto, por exemplo, ela assinou (“Apenas rubriquei”, disse) e registrou na Justiça Eleitoral dois programas de governo contraditórios nos fundamentos.
A recente polêmica sobre aborto é ilustrativa de suas opções por posições sobre as quais pairam entendimentos com mais de um sentido. – Abortar não é fácil para mulher alguma – disse há 17 meses.  – Duvido que alguém se sinta  confortável em fazer um aborto. Agora, isso não pode ser justificativa para que não haja a legalização. O aborto é uma questão de saúde pública. Há uma quantidade enorme de mulheres brasileiras que morrem porque tentam abortar em condições precárias.
Às vésperas da eleição, depois de uma reunião com líderes religiosos, afirmou: – Sou favorável à valorização da vida. E eu, pessoalmente, sou contra o aborto, que é uma violência contra a mulher.
Seus discursos dos últimos nove meses sugerem que o governo teria uma premissa econômica e lançaria pelo menos duas reformas “estruturantes”, como gosta de dizer.
- A premissa é a da preservação da estabilidade macroeconômica. Vamos manter o equilíbrio fiscal, o controle da inflação e a política de câmbio flutuante.
A primeira das reformas, anunciou, será no sistema político-partidário. Assim descreveu: – Vamos unir o melhor das nossas energias para fazer a reforma política. Quero dizer com todas as letras aos partidos e ao país: não dá mais para adiar essa reforma. Ela é uma necessidade vital para corrigir equívocos, vícios e distorções. Para dar eficácia ao voto do eleitor e credibilidade à representação parlamentar. Para dar transparência às instituições e garantir mecanismos reais de controle pelo cidadão da vida parlamentar. Para fortalecer os partidos, estimular o debate público e a participação popular.
Aparentemente, seria uma reforma ampla, geral e irrestrita, que poderia levar até à mudança no sistema de representação no Congresso. Mas a candidata sempre se conteve no limite da ambiguidade.
A outra reforma, segundo ela, será no sistema tributário: – Nossa estrutura tributária é caótica, apesar de áreas de excelência na administração, e, se não tivermos coragem de reconhecer isso, jamais faremos essa reforma tão urgente e necessária. Entre outras coisas, vamos investir para informatizar todos os tributos. Ampliar a base de arrecadação e diminuir as alíquotas. Outra grande meta do governo Lula, que vamos completar e que foi realizada, mas iremos aprofundar, é a desoneração do investimento. Porque ele melhora o crescimento econômico.
Dilma chega ao poder dizendo-se coerente com as ideias e os princípios que defendia nos anos 70. Se alguém mudou, portanto, foram os adversários. – Não sucumbimos aos modismos ideológicos. Persistimos em nossas convicções, buscando, a partir delas, construir alternativas concretas e realistas.
Durante a campanha, elegeu alguns ícones para traçar essa linha divisória em relação aos competidores. Um deles foi a “reorganização do Estado”.  – Alguns ideólogos chegavam a dizer que quase tudo seria resolvido pelo mercado. O resultado foi desastroso. Aqui, o desastre só não foi maior, como em outros países, porque os brasileiros resistiram a esse desmonte e conseguiram impedir a privatização de Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica ou Furnas.
Dessa forma, para Dilma, o Estado brasileiro precisa ser “reconstituído”. E repetiu essa ideia como um mantra, expressa em termos vagos como em toda evocação de uma filosofia mística:
- Vamos recompor a capacidade do Estado de planejar, gerir e induzir o desenvolvimento do país. Reforçar também a capacidade de planejar do Estado brasileiro, a integração entre o Estado e o setor produtivo, setor privado, entre o governo e a sociedade. Entre o governo federal, entre o governo dos estados e dos municípios.
Preocupada em se distinguir dos adversários, acentuou a retórica estatizante e adotou símbolos como a Petrobras – hoje, principal canal de investimentos  do setor público.
Para Dilma, a recente venda de ações da empresa (“capitalização”) demonstraria toda a “diferença” com o PSDB, pois o governo Lula conseguiu atrair investimento privado e ainda aumentou sua participação acionária na estatal:
- Fizemos tudo isso e ainda ampliamos a participação da União na Petrobras. Em 2000, teve uma redução drástica da participação da União na Petrobras. Nós conseguimos uma capitalização de US$ 70 bilhões e valorização da participação da União para 48%. Acho que mostra claramente a diferença entre este governo e o anterior do Fernando Henrique Cardoso, a forma pela  qual concebemos a ampliação da Petrobras. Vendemos algum pedacinho da Petrobras para conseguir os US$ 70 bilhões? Não. Pelo contrário, aquilo que eles venderam da Petrobras nós compramos de volta para o Brasil e para o povo brasileiro.
Pela forma como tratou o tema (o governo recomprou parte do capital de uma sociedade mista), pode induzir à conclusão de que seu governo deverá se esforçar para ampliar ao máximo a presença do Estado na economia.
Isso até seria coerente com as propostas defendidas por uma alado PT e pelo PCdoB. Mas carece de sintonia com o clima liberal e pró negócios dominante no PMDB (um dos esteios parlamentares do programa de privatizações na era FH). Esse partido deu a Dilma seu vice-presidente, Michel Temer, um liberal, e deverá ser decisivo para o governo aprovar qualquer coisa no Congresso.
Outros nove partidos que compõem a base parlamentar do governo Lula e ajudaram a eleger Dilma costumam ser assíduos nas votações no Congresso quando se trata da defesa intransigente da liberdade individual, econômica, política, religiosa e intelectual, contra ingerências excessivas e atitudes coercitivas do poder estatal. Por isso, há quem atribua a coletânea de ambiguidades de Dilma sobre o papel do Estado ao vício retórico de uma antiga militante de leituras do marxismo-leninismo nos anos 70.
É possível, porque, nos palanques, o que Dilma mais deixou transparecer foram esboços de ideias na direção de um programa para fortalecer as empresas brasileiras – e no qual ao Estado estaria reservado um papel crescente como fiador do capitalismo.
- Acreditamos no Estado indutor. O que é isso? É o Estado que, no meio da crise, fornece o crédito – resumiu em entrevistas. – Acreditamos na força da iniciativa privada no Brasil. Só não achamos que o Estado, por isso, não tem de estar presente, dando as condições para o investimento. Hoje, temos crédito de longo prazo graças ao BNDES.
Alguns setores empresariais seriam privilegiados. – Vamos adotar um princípio que o presidente Lula adotou logo no início do governo – avisou. – Quando o Brasil voltou a produzir plataformas aqui, deixamos de exportar empregos para Cingapura e Coreia. O principio é muito claro e diz assim: “Tudo que pode ser produzido no Brasil deve ser produzido no Brasil.” Porque somos capazes, com o mesmo preço, qualidade e prazo. É para empregar e gerar renda aqui, como o presidente Lula fez,e não exportar empregos.
Sempre grata ao “grande mestre”, Dilma já chegou a citar Lula 29 vezes em um discurso. Seu maior desafio é construir uma identidade à margem do patrono político. Não apenas para esclarecer o rumo – e as diferenças – de seu governo, mas, sobretudo, dissipar eventuais dúvidas sobre um duplo comando na Presidência da República. Ele (Lula) é o grande mestre  que nos ensinou o caminho
Acreditamos no Estado indutor. Acreditamos na força da iniciativa privada. Só não achamos que o Estado, por isso, não tem de esta presente, dando as condições para o investimento. Não sucumbimos aos modismos ideológicos. Persistimos em nossas convicções, buscando construir alternativas concretas e realistas Dilma Rousseff.